*Por Vanessa Silla
A influência das redes sociais na literatura é gigantesca, e apesar de ainda não a podermos medir, sabemos que é fonte de inspiração, de registros sócio-histórico, e de lugar que espelha nossos conflitos, nossas relações e nossas incertezas.
A consagração do avanço tecnológico obriga-nos a refletir sobre questões já abordadas, mas ainda não totalmente respondidas. Repensar a definição de literatura nos padrões atuais é multitarefa extremamente delicada e impactante.
Há uma nova sensibilidade literária no ar e quero entendê-la. As inteligências artificiais estão batendo na porta e nós estamos espiando com certo medo.
Me pergunto se as reservas poéticas e o acervo passional, que cada ser humano possui, podem ser imitados por um robô? Como se chega à verdade artística de uma máquina?
Sabemos que quando um escritor escreve boa ficção, todo artifício consiste em escolher os detalhes.
A literatura sendo diferente da vida nos ensina a perceber os detalhes. Me pergunto: como os bots-escreventes vão escolher quais detalhes são relevantes e quais têm carga poética para sustentar uma emoção? Detalhe – eles não experimentam emoções, eles armazenam emoções. E aí?
Carregar o peso do infinito não é tarefa para dispositivos eletrônicos, entretanto são nas telas de celulares e computadores que estamos infestando nossas vivências. Este foi o ponto de partida para escrever o principal conflito vivido pela personagem central, “Laila”, no meu último romance ficcional, e não só.
Ao mesmo tempo que nos incutimos de receios tecnológicos, geramos conteúdos que nos trazem muita fonte literária e para além do lado trevoso da tecnologia, temos o massivo número de produção literária que advém das redes sociais e das plataformas de autopublicação.
A questão é: como analisar na urgência do nosso cotidiano alguns pontos da recente literatura? Como escrever um bom texto literário inspirado na linguagem dos influencers?
Como encantar os leitores com temas que não estejam a um clique na cara do Google? Como enfeitiçar jovens, quero dizer convocar jovens, para ler mais se temos uma Netflix competindo com nosso tempo?
Estas são algumas das muitas perguntas que ainda estão sem respostas. Entre elas, coloquei a história da Laila e seu canal no YouTube: Me Coça.
Foi através deste viés que construí a narrativa que descamba em várias outras questões até afunilar ao desmascaramento do tráfico humano, crime incessante, abusivo e incontrolável que também se utiliza dos dados da internet para fabricar suas vítimas.
Ezra Pound já dizia “[…] os artistas são as antenas da raça ou da sua época”, e penso que muitas obras estão nascendo das redes sociais, fazendo um registro importante do que estamos vivendo.
As plataformas digitais, por exemplo, são um modelo de negócio que permite a conexão entre produtores e consumidores. Muitos são os textos produzidos online que viraram livros e filmes.
As redes sociais ajudam na divulgação dos trabalhos dos escritores, o TikTok é seu novo lar, o Instagram colabora e aquece a literatura em todos modos sociais, os e-books proporcionam diversas comodidades, os Podcasts estão aí para oralizar as discussões e os áudio livros têm contribuído na vasta lista que se forma elencando as distintas formas de leitura.
São inúmeros os exemplos que vem auxiliando a literatura, trazendo a economia criativa para a ponta do iceberg literário.
As chamadas Culturas de Massas são alguns dos cenários subjetivos por onde Laila vivencia seus conflitos. O universo pop, muitas vezes criticado, é também espaço de criatividade.
Temos de educar e treinar nossos sensores para o sangue digital que circula nas telas e pulsa nas veias da web.
São apenas dispositivos diferentes, são apenas lugares transitórios, são apenas formas de fazer e pensar a literatura, mas, são outros, são capacidades de fragmentar e juntar estilhaços.
Todos procuramos a nossa identidade embaralhada na criação cultural a que fomos submetidos, estamos constantemente preenchendo os espaços desabitados, e Laila se descobre neste mundo virtual entre likes e seguidores onde distribui suas dores e acertos.
Uma das vantagens da Laila é a de influenciar as pessoas e tenho vontade de imitá-la, desenvolvendo um app que auxilie verdadeiramente na busca de pessoas perdidas, imigrantes desatendidos, roubo de bebês, e outras subtrações que fazem parte do varejo humano.
Pode ser uma forma linda de responder como a literatura deve competir com a internet.
*Vanessa Silla é formada em Letras, com Especialização em Literatura Brasileira e tem Mestrado e Doutorado em Escrita Criativa pela PUCRS. Nasceu em Porto Alegre (RS), onde atua como professora de inglês e ministrante em oficinas literárias. Com 12 livros publicados, transita entre poesia, crônica e prosa, sendo Laila seu romance mais recente e que constrói um diálogo entre literatura e tecnologia.