Made in Brasil? Arroz, feijão e outros pratos brasileiros que na verdade vieram de fora!

Conhecido pela miscigenação cultural, o Brasil possui pratos adaptados e criados aqui. Você sabe quais são realmente criações nossas?

O Brasil foi colonizado por Portugal durante 292 anos e, como se pode esperar, teve sua cultura moldada pelos lusitanos — e isso inclui a gastronomia. Durante o período, os portugueses adaptaram seus gostos ao clima tropical e os priorizaram em detrimento de culinárias de matrizes africana e indígena.

“É natural que os primeiros portugueses quisessem fazer uma cozinha o mais idêntica possível à que eles estavam habituados”, explica o escritor e pesquisador gastronômico Virgílio Nogueira Gomes. Segundo ele, a gastronomia é um conhecimento que se adapta ao contexto e evolui.

Não à toa, o Brasil possui uma culinária rica e vasta, com pratos notórios no mundo inteiro — caipirinha e feijoada que o digam. No entanto, nem todas as comidas pelas quais o país é mais conhecido foram criadas aqui. A seguir, você saberá quais foram trazidas pelos portugueses e as que são criações nacionais.

Arroz e Feijão

Esta combinação é tradicional nas refeições brasileiras, embora sua origem não tenha sido longe daqui. Enquanto o arroz surgiu no sudeste asiático, o feijão é latino-americano por natureza — e consumido pelos povos indígenas antes da colonização portuguesa.


Segundo o pesquisador Luís da Câmara Cascudo, a mistura dos dois ingredientes foi de autoria do rei Dom João VI, em 1808. Com a introdução do arroz nos quarteis, esta clássica combinação se popularizou — tornando-se um clássico da gastronomia nacional.

Feijoada

A junção entre arroz e feijão foi introduzida pelos portugueses, mas seu uso mais conhecido tem origem inteiramente brasileira. No entanto, a história da feijoada não começou nas senzalas, com os escravos adicionando ao feijão os restos de carne porco descartados pelos senhores de engenho.

“Naquele tempo, essas partes do animal nem eram consideradas menos nobres. Cabeças, rabos e patas eram disputados como iguarias”, explica a pesquisadora Paula Pinto e Silva. Já Câmara Cascudo, inclusive, ressalta que a dieta dos escravos era composta de feijão e farinha.

Segundo ele, a feijoada surgiu em restaurantes cariocas no final do século XIX. Com o uso de técnicas europeias similares a outros tipos de cozidos, ela se popularizou e, não à toa, o pesquisador explica que “Uma feijoada completa é tão local quanto a Baía da Guanabara.”

Pães

Outro alimento popular no Brasil cuja origem é cercada de concepções equivocadas é o pão francês — que, curiosamente, usa uma receita de farinha, água, sal e fermento tradicional de Portugal.


Isso se deve, principalmente, ao país lusitano ter uma cultura de padarias forte e com grandíssima variedade de pães. Não à toa, ela foi trazida para o Brasil durante a colonização e se enraizou na nossa gastronomia.

Bife à Parmegiana

Pode até parecer um prato nascido na região de Parma, na Itália, mas o bife à parmegiana foi criado no Brasil. Há quem diga que foi uma receita surgida em Salvador, enquanto outros apontam para uma origem em São Paulo.

No entanto, o consenso é a inspiração na berinjela à parmegiana, tradicional receita da já citada região italiana, que é cortada em fatias, frita e servida com molho de tomate, queijo parmesão e orégano. Existe semelhança ao bife à milanesa, da região de Milão, que é empanado com farinha e adicionado à fritura — sem adição de molhos e queijos.

Desta forma, o bife à parmegiana usa a mesma receita da berinjela. Como a gastronomia brasileira é inovadora, tipos diferentes de carnes e queijos costumam ser usados em variações da receita — que não costuma ser vista como nacional por não ter vinda de Portugal.

“Ele não é reconhecido como ‘coisa nossa’ porque não se encaixa na matriz de convergência étnica, em que o branco é representado apenas pelos portugueses”, explica o sociólogo Carlos Alberto Dória.


Bacalhau

Peixe tradicional de datas comemorativas como Páscoa e Natal, o bacalhau tem origem longe do Brasil. Nativo das águas frias do Polo Norte, ele é amplamente consumido na Noruega. Durante o Século XV, os navegadores portugueses começaram a consumi-los durante viagens — e introduziram o pescado em Portugal, que até hoje é seu maior consumidor.

Desta forma, o Brasil aderiu à tradição lusitana de comer bacalhau importado, geralmente em sextas-feiras e datas religiosas — acompanhado de ovos e vegetais como tomates, cebolas e batatas. Além disso, ele é harmonizado com vinhos e outras bebidas alcoólicas.

Pão de Queijo

Esta é uma das principais contribuições de Minas Gerais à cultura nacional, com origem no Ciclo do Ouro. Segundo historiadores, o pão de queijo foi criado no Século XVIII devido ao incômodo local com a qualidade da farinha de trigo — que foi substituída pelo polvilho. Com a adição de restos de queijo endurecido, ovos e leite, a massa era enrolada e assada.

Fez sucesso — e como! Por isso, variações da receita foram surgindo como o uso de banha, manteiga ou óleo, tipos de polvilho diferentes como doce e azedo e até queijos como parmesão, canastra e meia cura.

Não à toa, o pão de queijo é exportado para mais de 50 países — entre eles Portugal, Japão e Estados Unidos. Algumas variações são encontradas em países da América do Sul, como o pandebono colombiano, a paraguaia chipa e o argentino pan de yuca.


Caldo Verde

Popular no Brasil, o Caldo Verde é um tipo de sopa com couve, batata e linguiça importado. Surgida no Século XV, a receita surgiu no norte de Portugal e foi criada por famílias de baixa renda, que viram nos ingredientes como uma opção barata para se manterem aquecidas no inverno.

Trazido durante o período colonial, o Caldo Verde passou por algumas adaptações desde então. Em Portugal, ele é servido com broa de milho. Aqui, a receita é acompanhada por pães e torradas. Outra mudança feita pelos brasileiros foi a adição da linguiça durante o preparo, enquanto os portugueses só a adicionam na hora de servir.

Além disso, restaurantes brasileiros costumam até substituir ingredientes. Existem versões de Caldo Verde com Mandioca, Bacon e até vegetariano — com queijos e cogumelos substituindo a carne.

Palha Italiana

Este doce de brigadeiro e biscoitos pode aplicar à cidadania italiana se quiser: apesar de ter nascido no Brasil, foi criado numa colônia de imigrantes italianos no sul do país. Seu nome é inspirado no doce salame di cioccolato — ou salame de chocolate.

Enquanto o original era feito com manteiga, ovos, açúcar, biscoito, nozes e massa de chocolate, a versão brasileira substituiu os dois últimos ingredientes por brigadeiro e maizena.

Rabanada

Já a rabanada é um doce que alguns até acreditam ser uma criação brasileira, embora seja outro item importado pelos portugueses. São pedaços de pães banhados com leite, leite condensado e ovos batidos, fritas e temperadas com canela e açúcar.

Símbolo de prosperidade e fatura, se tornou uma sobremesa obrigatória nas festas de fim de ano lusitanas. No entanto, existem variações da rabanada em outros países — o francês Pain Perdu, o inglês Eggy Bread e o estadunidense French Toast.

Goiabada

Romeu e Julieta? Há quem pense no clássico de William Shakespeare, embora a mistura de goiabada e queijo costume ser a primeira lembrança de muitos fãs de doces ao ouvirem este nome. Esta tradição até nasceu no Brasil, embora seus criadores sejam os colonizadores portugueses.

Ao chegarem em Minas Gerais, eles se viram obrigados a adaptar os dois ingredientes. Feito com leite de vaca em vez do de ovelha, o queijo minas se tornou Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro. Já a goiabada foi criada na tentativa de produzir marmelada — usaram goiaba em vez de marmelo.

Como começaram a misturar os dois? Segundo historiadores, foi nos cafés coloniais durante as tardes — quando o Brasil ainda era colônia de Portugal. Eles eram marcados por uma enorme variedade de comidas e bebidas e a goiabada foi adicionada ao queijo em Barão de Cocais, Minas Gerais.

Brigadeiro

Acredite se quiser: o doce mais popular do Brasil foi criado graças às eleições. Em 1946, a confeiteira Heloísa Nabuco de Oliveira queria ajudar a levantar fundos para a campanha de brigadeiro Eduardo Gomes, seu candidato à presidência escolhido, e criou a receita com leite, chocolate, açúcar, ovos e manteiga.

Disponibilizada nos compromissos eleitorais de Gomes, a criação foi apelidada de docinho do brigadeiro — fazendo sucesso por onde passava. Essa popularidade, no entanto, não foi suficiente para impedir a vitória de Eurico Gaspar Dutra no pleito.

O brigadeiro, no entanto, cresceu em popularidade e é consumido até hoje. Variações com a adição de chocolate granulado, recheios e coberturas. Outros países chamam o doce de trufa brasileira — apesar de ser mais macio.

Estas não são as únicas criações gastronômicas brasileiras notórias, diga-se de passagem. O Brasil é responsável a dar ao mundi o requeijão cremoso, o açaí e a paçoca. Já pratos típicos como o acarajé, trazido da África, são a prova do quão diversa e ampla é a miscigenação de sabores no país.